Quando a negociação falha por falta de confiança
Se não há confiança nas relações, o fracasso é apenas questão de tempo.
Na minha jornada profissional, uma das lições mais valiosas que aprendi é a importância fundamental da confiança nas relações. Recentemente, relembrei um episódio emblemático que ilustra claramente essa tese.
Tínhamos a missão delicada de contratar um ator para protagonizar uma novela no horário premium, mais rentável para a empresa. O agente do ator era renomado e influente no meio artístico, reconhecido tanto por sua astúcia quanto por sua postura prepotente.
Desde o início ficou evidente que a negociação seria complexa. A cada rodada de conversa surgiam novas exigências, frequentemente acompanhadas por pedidos inesperados de aumentos financeiros. O agente utilizava uma tática conhecida como “Estratégia de Ancoragem Flutuante”, na qual uma das partes continuamente altera suas propostas financeiras e condições para confundir e desgastar a outra parte, buscando maximizar vantagens em cada interação.
Essa estratégia opera ajustando constantemente expectativas financeiras e termos durante a negociação, o que dificulta estabelecer um ponto de referência estável. Embora alguns negociadores vejam nisso uma oportunidade para extrair maiores benefícios, essa abordagem é, na prática, contraproducente, pois mina a confiança e gera um clima de insegurança.
Após semanas desgastantes enfrentando essa estratégia, finalmente chegamos a um acordo numa sexta-feira. Perguntei diretamente ao agente se poderíamos considerar o acordo fechado, e ele confirmou. Formalizei e enviei o acordo para ele. No entanto, no domingo seguinte, recebi uma ligação informando que ele pretendia levar a negociação a uma instância superior, buscando obter mais vantagens. A sensação imediata foi de traição, ainda que não fosse exatamente surpreendente, pois desde o início, minha intuição indicava um sentimento de desconfiança, embora eu tivesse ignorado esse alerta, acreditando se tratar de um preconceito meu.
Apesar do aviso à direção da empresa, eles optaram por prosseguir com as demandas do agente e do ator, desconsiderando minha advertência sobre a inadequação da postura daquele profissional. Infelizmente, o projeto acabou não se concretizando exatamente devido ao desgaste provocado pela conduta do agente.
Essa experiência reforçou uma verdade essencial: quando falta confiança entre as partes envolvidas, o risco de fracasso aumenta exponencialmente. Muitas vezes ignoramos nossos instintos por receio de agir com preconceito ou julgamento antecipado. No entanto, em negociações, assim como nas relações pessoais, reconhecer e valorizar a intuição é crucial. Confiança não é algo imposto, mas sim construído ao longo das interações e fundamentado na afinidade de valores morais.
A lição que fica é clara e fundamental: não despreze seus instintos. Se algo parecer errado, investigue com racionalidade para descobrir se esse sentimento é legítimo ou resultado de algum preconceito. Caso não seja preconceito, prepare-se adequadamente, pois uma grande frustração pode estar a caminho.
Em negociações e relações humanas, confiança não é apenas desejável—é imprescindível.
“Negociar é um ato de coragem “. Papa Francisco
Obrigado por compartilhar esse conteúdo Hélio !
Como sempre, sábia e excelente reflexão Helio.
Aqui ainda me ocorre, lendo seu texto, o fato de estabelecermos relação de confiança com todos os players envolvidos, interna e externamente. Quando a empresa, em instância superior, flexibiliza algo já pré determinado em outros fóruns, ela não só desacredita o mensageiro negociador, mas também se enfraquece para o futuro. Renovações e / ou renegociações nunca mais terão a mesmo decoro ora pretendido.