Quando a negociação acolhe a dor: encerramentos se transformam em caminhos
O que a dor ensina sobre limites, dignidade e acordo.
O que parecia o anúncio de fim de contrato transformou-se numa jornada de muito aprendizado e amadurecimento emocional.
No começo, era “apenas” uma negociação para formalizar uma nova forma de contratação. Com o passar do tempo, virou um processo transformacional de recuperação da autoestima. Foi uma experiência emocionalmente dolorosa — pela empatia — e, ao mesmo tempo, extremamente educativa para nós dois: eu e a atriz.
Eu tinha uma missão difícil: não renovar o contrato de uma atriz de enorme sucesso, com mais de 40 anos de carreira, um ícone da indústria audiovisual, que nunca havia parado de trabalhar. Era necessário muito respeito e cuidado na condução dessa conversa e, apesar da pressão da empresa para resolver rapidamente, optei por fazê-la pausadamente. Eu precisava entender o momento dela, os seus sonhos e descobrir a melhor forma de conduzir o assunto.
Marcamos um primeiro encontro para alinharmos expectativas. Eu tinha dúvidas se, após quatro décadas exercendo brilhantemente sua profissão, ela queria seguir nos palcos, sobretudo porque eu sabia que ela estava se tratando de uma doença crônica.
Ela estava ansiosa. Em contatos com outras pessoas, sabia que a empresa estava mudando seu modelo contratual: em vez de contratos por prazo, passaria a contratar por projetos específicos. Em outras palavras, quando existisse contrato, seria para um filme, uma novela ou uma série.
Nesse primeiro encontro, perguntei sobre seus planos, projetos e o que mais gostava de fazer. Ela foi muito clara: sua realização era atuar; não se via fazendo outra coisa. Conversamos por horas sobre suas participações em novelas; ela se emocionava com as lembranças de quando era mais jovem. Também enfatizava a rotina diária de tantos anos, acordar e ir trabalhar, algo que a completava. Ao final, ela entendeu a mudança, e combinamos uma conversa seguinte para aprofundar os impactos dessa transição na vida dela.
No encontro seguinte, busquei compreender seus desconfortos em relação ao novo modelo de contratação. Percebi que a grande insegurança estava em “deixar de pertencer” ao quadro fixo da empresa e passar a ser contratada apenas para projetos. Ela reconhecia que isso refletia o padrão de mercado, mas doía não poder dizer que “pertencia” mais à empresa — motivo de orgulho para ela e uma perda emocional significativa. Ao ser convidada a detalhar outras inseguranças, trouxe questões que eu jamais havia considerado.
Disse sentir-se inútil, sem valor, por ver pessoas trabalhando diariamente enquanto ela estava sem alocação. Fez uma analogia impactante: sentia-se como uma planta num vaso, precisando interagir com a sociedade. Eu a lembrava do legado construído. A sociedade a via como uma celebridade talentosa e de grandes sucessos. Ela contra-argumentava: não importava como a sociedade a via, e sim como ela se percebia.
Nos encontros seguintes, optamos por falar sobre os impactos práticos da decisão no cotidiano. Eu estava muito preocupado com o estado emocional dela diante da mudança de contexto. O relato trouxe preocupações que eu desconhecia: temia como o mercado a veria “desalocada”, com medo de ser percebida como inválida ou incapaz. Expliquei que sua imagem era consequência de 40 anos de trabalho e que não seria esquecida. Reforcei a importância de procurar pessoas e empresas para demonstrar interesse em atuar, mas ela seguia deprimida. Eu estava diante de um quadro de baixa autoestima e de uma autoimagem dissonante da percepção do mercado.
Formalizamos o encerramento do contrato, mas saí com uma pergunta insistente: qual era, afinal, o meu papel naquela negociação? Senti-me responsável por apoiá-la no resgate da autoestima. Propus novos encontros para que ela me apresentasse um plano para voltar a atuar.
Em encontros posteriores, sugeri que procurasse um psicólogo. Ela disse que precisava viver o luto da perda para, só então, se recuperar e voltar a acreditar em si mesma. Enfatizei que aceitar a perda a tornaria mais forte e mais capaz de superar as adversidades. Com delicadeza, pediu tempo para processar todo esse percurso doloroso.
Aos poucos, conseguiu formular uma lista de desejos, e eu a estimulei a detalhar como viabilizá-los.
Depois de um ano e de vários encontros, recebi uma mensagem encantadora: ela havia conseguido um contrato para voltar a atuar — e estava muito feliz. Seu tom de voz trazia alegria e segurança. Era nítido que havia recuperado o brilho nos olhos. Me emocionei com a vitória dela.
Dessa experiência, ficaram os seguintes aprendizados para mim:
Crescer e amadurecer significa aprender a lidar com frustrações e despedidas;
As perdas são necessárias, pois abrem espaço para novas conquistas, com vínculos mais maduros e maior senso de realidade;
A vida exige renúncias inevitáveis, e aprender a aceitá-las é caminho para a maturidade emocional;
Em qualquer negociação, acolhimento, escuta ativa e respeito pela dor da perda, são fundamentais;
Quando jovens, acreditamos em possibilidades infinitas e no controle do futuro; com o tempo, entendemos nossos limites;
Aceitar perdas nos torna mais fortes, mais humanos e mais capazes de viver de forma plena e segura;
Não podemos esperar que alguém busque algo maior do que deseja para si; é preciso respeitar os limites do sonho de cada um;
Um grande sonho nos tira da inércia e nos move em direção ao que muitos chamam de impossível, a plenitude de uma realização.
O destino conduz quem consente e arrasta quem resiste.” — Sêneca
Fantástica experiência! Percebi que na maioria dos momentos dessa história, a sua percepção como quase um psicólogo, por levar em conta o ser humano , foi fundamental para conseguir realizar seu trabalho, mas não “ abandonar “ a pessoa !
Respeito , profissionalismo, ética , compreensão , escuta ativa e senso de responsabilidade em ajudar foram os fatores determinantes para o sucesso desse negociação humanizada