O Ego é o Inimigo: Quando a Espiral do Conflito é Transmitida ao Vivo
O maior obstáculo para um bom acordo nem sempre está do outro lado da mesa - em geral, está dentro de nós.
Recentemente, uma reunião transmitida ao vivo diretamente da Casa Branca reuniu Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, vice-presidente, e Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia. O que se pretendia como um marco diplomático acabou se transformando em uma aula prática — e dramática — sobre como os conflitos podem escalar rapidamente. Foi uma demonstração clara da chamada Teoria da Espiral do Conflito.
O Início Promissor: Confiança e Alinhamento Superficial
Zelensky chegou com uma demanda objetiva: garantias de segurança para a Ucrânia. Trump, por sua vez, interessado em encerrar uma guerra dispendiosa para os cofres americanos, assumiu o papel de mediador. Nos momentos iniciais, o cenário parecia positivo. Trump afirmou que “95% do acordo estava resolvido”, e Zelensky, ainda que visivelmente tenso, indicou alinhamento nas linhas gerais. Tudo sugeria um terreno comum — condição essencial para evitar a escalada.
O Gatilho da Espiral: Incompreensão e Prioridades Divergentes
A espiral começou a se formar quando Zelensky insistiu nas garantias de segurança, lembrando o histórico de violações de acordos por Vladimir Putin. Trump, que não considerava esse ponto prioritário, minimizou a preocupação. Aqui, emergiu o primeiro elemento da espiral:
Interpretações divergentes aumentam a desconfiança — cada parte começa a duvidar das intenções da outra.
A Escalada: Intervenções Hostis e Reações Emocionais
O ponto de ruptura veio quando J.D. Vance respondeu de forma acusatória a uma pergunta provocadora de Zelensky. Em vez de moderar o tom, aumentou a tensão com uma postura confrontadora. Zelensky, emocionalmente abalado, reagiu de maneira pessoal e crítica ao governo americano. Com isso, a conversa saiu do eixo racional e ativou os dois próximos elementos da espiral:
Radicalização das posições — ambos endurecem seus discursos.
Redução da comunicação construtiva — a troca de argumentos cede espaço a ataques pessoais.
A Quebra do Processo Negocial
O propósito inicial — negociar o fim da guerra — foi enterrado sob camadas de vaidade, suscetibilidade e disputas por prestígio. O problema deixou de ser o conteúdo da negociação e passou a ser o ego de quem a conduzia. A espiral se completou: um impasse evitável virou uma crise pública, alimentada por reações emocionais em cadeia.
Como Evitar a Espiral do Conflito: O Maior Adversário Está em Nós
Evitar a escalada de um conflito começa por reconhecer uma verdade incômoda: na maioria das vezes, somos nós mesmos os maiores responsáveis por manter o conflito vivo.
É o ego ferido que reage. É a emoção que suprime a razão. E é essa combinação que gera decisões impulsivas, imprevisíveis e, frequentemente, desastrosas.
Em contextos de alta tensão, o negociador que não domina a si mesmo cede o controle da situação. A racionalidade dá lugar ao impulso de vencer a discussão — mesmo que isso custe a destruição de um possível acordo.
Por isso, preservar o processo de negociação exige mais do que técnica. Exige consciência emocional e capacidade de interromper o ciclo antes que ele se torne incontrolável.
Aqui vão quatro práticas fundamentais para evitar a espiral:
Antecipe pontos de tensão e alinhe bastidores
Antes de reuniões públicas, é essencial haver acordos prévios sobre temas sensíveis e limites da exposição. Isso reduz o risco de reações imprevisíveis.
Neutralize interferências desestabilizadoras
Assessores experientes são vitais para conter a escalada. Um gesto ou sinal discreto poderia ter impedido o colapso da comunicação.
Foque no conteúdo, não no ego
Como ensina Chris Voss: “Seja duro com o problema, suave com as pessoas.” A divergência de interesses não deve ser confundida com uma ofensa pessoal.
Interrompa o ciclo emocional antes que ele destrua a negociação
Diante de um impasse, o melhor movimento pode ser respirar fundo, mudar de assunto, propor uma pausa ou até suspender temporariamente a reunião.
Essas medidas interrompem a “troca de chumbo emocional” e ajudam a recentrar o diálogo no que realmente importa: viabilizar um acordo de interesses mútuos.
Conclusão
O encontro entre Trump, Zelensky e Vance não fracassou por falta de objetivos. Fracassou porque faltou controle emocional e habilidade para conter a espiral do conflito.
Negociações mal conduzidas tendem a girar em círculos viciosos, movidas pelo ego, pela vaidade e por impulsos defensivos.
A grande lição?
Negociar bem exige mais do que argumentos fortes — exige domínio sobre si mesmo. Só assim é possível transformar o conflito em construção e o impasse em acordo.
"Nada é tão lamentável e vergonhoso quanto deixar que a paixão derrote a razão”.
Excelente matéria !
Teoria e prática de negociação com total sinergia, aplicáveis em várias negociações em nosso dia a dia