Assédio, Silêncio e o Acordo que Ninguém Esperava
Como transformar ressentimento em ação, e, conflitos em caminhos de libertação pessoal e profissional.
Caminhava lentamente pelas ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro, após o almoço, quando me deparei com uma querida amiga - profissional do mundo digital - que há muito tempo eu não a encontrava.
Para minha surpresa, ela estava bastante diferente: abatida, acima do peso e visivelmente aflita. Durante nossa conversa, fiquei impactado com o impasse que ela estava enfrentando na empresa em que trabalhávamos. Estava afastada pelo INSS devido a um quadro de “burnout”, que, segundo ela, foi causado por assédio moral sofrido por parte de uma gestora. Por conta disso, havia decidido mover uma ação trabalhista contra a empresa. O que mais a magoava, porém, era o fato de ninguém tê-la procurado para tentar resolver a situação.
Diante do estado emocional dela, propus um novo encontro para conversarmos com mais calma. Pedi que, até lá, refletisse sobre como gostaria de estar em dois anos. Sugeri que sonhasse alto e listasse seus desejos - profissionais e pessoais.
No encontro seguinte, após quase uma hora de desabafo e looping mental, ela finalmente conseguiu projetar seu futuro. Curiosamente, em seus planos não constavam a empresa atual nem as funções que exercia. Apesar do sofrimento, ela conseguiu vislumbrar seus sonhos - o que foi um avanço importante.
Combinamos então que, no próximo encontro, ela traria os bloqueios que a impediam de viabilizar esses sonhos.
No terceiro encontro, recapitulamos os objetivos que ela havia traçado:
Atuar em uma nova função.
Trabalhar em outra empresa.
Em seguida, ela apresentou os bloqueios que acreditava estar enfrentando:
Ausência de reconhecimento do erro por parte da empresa.
Não ter recebido proposta para uma nova função.
Falta de compensação financeira pelos assédios sofridos.
Durante a conversa, percebemos uma contradição: se o objetivo era sair da empresa, por que esperar uma proposta de nova função dentro dela? Bingo. Eliminamos esse primeiro bloqueio. O verdadeiro entrave estava no ressentimento por não ter havido acolhimento da empresa durante seu afastamento.
Após algumas interações, o cenário estava mais claro:
Ela sabia o que queria: uma nova função, em outra empresa.
Havia um impasse jurídico com a empresa, decorrente da ação trabalhista.
Combinamos que ela apresentaria uma proposta concreta para viabilizar seus planos - incluindo um valor financeiro para encerramento da disputa.
Paralelamente, procurei a área jurídica da empresa para entender o status da ação e verificar se havia alguma proposta em estudo. Para minha surpresa, o jurídico já possuía um valor definido e me autorizou a negociar, dentro de certos limites.
No nosso novo encontro, percebi uma mudança em seu olhar - havia mais energia. Pela primeira vez, ela falou com clareza sobre seu plano de voo: o que queria fazer, como se capacitar para a nova função e como se organizaria após a rescisão.
Estava determinada, embora com receio dos riscos. Mas também sabia que o cenário atual gerava ainda mais angústia. Decidiu romper o ciclo. Conversamos então sobre o valor da indenização. A distância entre as expectativas era grande, mas com diálogo, conseguimos chegar a um meio-termo. Combinamos que seu advogado formalizaria uma proposta com base no que alinhamos.
Seis meses depois, o acordo estava oficializado. Ela rescindiu o contrato e estava livre para implementar seu plano de voo.
No dia da assinatura, aliviada, ela compartilhou, emocionada, seus aprendizados:
“Eu estava aprisionada, cheia de ressentimentos. Culpava as lideranças pela situação. Quando percebi que já não me identificava com a empresa nem admirava quem a liderava, entendi que estava num looping destrutivo. A única forma de me libertar era enfrentar meus medos e liderar uma mudança interna. Resolvi fazer a minha parte, por sobrevivência. Para ser feliz.”
Nos despedimos comovidos.
Dois anos depois, reencontrei-a nas mesmas ruas da Zona Sul. Sorrindo, cheia de energia, ela contou que havia montado um negócio no setor imobiliário. Estava radiante.
Aprendizados dessa experiência
Aceitar ajuda é sinal de força, não de fraqueza: Reconhecer que não conseguimos enxergar sozinhos todos os bloqueios é um ato de lucidez. A escuta externa ajuda a revelar conflitos internos que estão camuflados por ressentimentos.
O acolhimento importa - e muito: A ausência de reconhecimento e empatia por parte da liderança amplifica sofrimento e gera impasse. Pequenos gestos de escuta ativa e acolhimento genuíno podem evitar um processo jurídico e encurtar a jornada de dor. Liderar também é saber estar presente quando o outro silencia.
Nomear o problema com precisão: Expor o impasse com clareza ajuda a organizar o pensamento e direcionar esforços. Uma ou duas frases bem formuladas fazem toda a diferença.
Identificar os bloqueios reais: Muitas vezes os bloqueios não estão onde imaginamos. Eles se escondem atrás de ressentimentos, crenças antigas ou necessidades emocionais não atendidas.
Substituir crenças limitantes por crenças fortalecedoras: Crenças que nos protegeram no passado podem hoje estar nos sabotando. Mudar exige aceitar sem culpa o impacto negativo que essas crenças exercem.
Romper com o status quo requer coragem: Sair de um ciclo vicioso ou de um medo persistente, envolve aceitar a dor, construir um novo plano e ter disciplina para sustentá-lo.
A autossabotagem nasce da desconexão entre o lugar onde você está e onde acredita que deveria estar: Quando essa lacuna se alarga, surgem frustrações, baixa performance e perda de influência.
Mudança exige ação disciplinada: Sonhos se constroem diariamente. Requerem paciência, perseverança e foco nos impactos das escolhas feitas.
Reflexão final para líderes
Situações como essa são mais comuns do que se imagina. Pequenos conflitos ignorados podem evoluir para impasses jurídicos, perdas financeiras e rupturas emocionais. Lideranças preparadas devem atuar com escuta ativa, empatia e capacidade de mediação. O custo da omissão, nesses casos, pode ser muito alto - para todos os lados.
“A liberdade não é apenas livrar-se das próprias correntes, mas viver de maneira que respeite e aumente a liberdade dos outros.” Nelson Mandela



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