A ética tem preço?
Um erro de digitação revelou dois estilos de liderança: uma orientada por princípios, outra pela vantagem a qualquer custo.
Cristine era diretora comercial de uma startup médica em rápido crescimento, o Doutore, especializada em diagnósticos por inteligência artificial. Com crescimento de 15% ao mês, a empresa participava de uma importante concorrência em um dos principais hospitais de São Paulo.
Após uma avaliação técnica altamente positiva, o Doutore foi convidada para iniciar a negociação financeira com o hospital. À frente dessa etapa estava Sérgio, diretor financeiro conhecido por sua rigidez, postura arrogante e foco exclusivo em seus próprios interesses.
O Doutore se destacava pela qualidade do produto, agilidade no atendimento e preços competitivos. Seu lema: “customer oriented”. Cristine, por sua vez, era respeitada no mercado e bem-vista dentro do próprio hospital por sua seriedade, ética e comprometimento.
Com expectativas elevadas, Cristine preparou rapidamente uma proposta comercial, enviou ao hospital e marcou uma nova reunião. Após algumas rodadas de negociação, Sérgio pressionou por um valor mais agressivo. A executiva, com autorização dos sócios, concedeu um desconto promocional de 20% para contratos de dois anos e formalizou a nova proposta.
O cenário era promissor: os usuários adoravam o produto, a proposta estava vantajosa e tudo indicava um desfecho positivo.
Mas na reunião final, Sérgio surpreendeu:
— “Aceitaremos o que está na proposta. Mas é claro, pelo valor formalizado e não pelo percentual de desconto descrito na proposta.”
Cristine estranhou. Releu o documento e levou um choque: um erro de digitação havia eliminado um dígito, o valor proposto estava dezenas de milhares abaixo do correto.
Ao apontar o erro, ouviu de Sérgio:
— “Espero que sua empresa honre o que está escrito.”
Ela apelou ao bom senso, mas ele se manteve inflexível: ou o Doutore cumpria ou encerraria ali a negociação.
Cristine saiu arrasada. Sabia da importância estratégica daquele contrato para expandir a presença da empresa em São Paulo, além do impacto financeiro direto. Mas ficou ainda mais decepcionada com a postura do executivo, que parecia aproveitar-se de um erro óbvio para obter vantagem.
A direção do Doutore se viu diante de um dilema:
Aceitar o contrato com prejuízo certo nos dois primeiros anos, mas conquistar um cliente estratégico.
Recusar e perder a oportunidade, mantendo-se fiel aos seus princípios — com o risco de ter sua reputação questionada.
Após reflexão profunda, os fundadores da empresa decidiram corrigir a proposta e reapresentá-la com o valor correto. Um dos sócios sintetizou a decisão com clareza:
— “Prefiro abrir mão da receita para me manter fiel aos meus valores, pois ceder, confronta com a minha ética".
Sérgio reagiu mal. Disse que faria questão de divulgar que a empresa não cumpria suas propostas. O Doutore, por sua vez, assumiu o erro, justificou que se tratava de uma falha material, sem má-fé, e afirmou que manter aquele valor tornaria o contrato economicamente inviável.
O acordo não foi fechado. Ambas as partes saíram frustradas.
✅ Análise crítica:
Esse episódio revela o contraste entre dois tipos de liderança:
🔹 A liderança ética, que busca decisões equilibradas e sustentáveis, mesmo diante de oportunidades aparentemente vantajosas. Considera o contexto, analisa as circunstâncias, pondera os impactos de suas decisões para todos os envolvidos e considera que a pressão por resultados financeiros não pode desviar dos compromissos éticos Sabe que relações baseadas na confiança e na reputação constroem resultados duradouros e criam credibilidade organizacional .
🔹 A liderança oportunista, que enxerga negociações como foco exclusivo no próprio interesse. Explora falhas ou ambiguidades contratuais para obter ganhos imediatos, mas compromete a confiança, a reputação, a viabilidade de um acordo e os relacionamentos de longo prazo. Corroí a legitimidade da liderança e instala um clima de desconfiança entre os colaboradores, afetando a sustentabilidade da empresa no longo prazo.
✅ Conclusão:
Neste caso, o impasse terminou sem acordo. Mas a verdadeira lição não está na ausência do contrato, e sim no exemplo deixado.
Líderes que abrem mão de seus princípios em busca de ganhos imediatos acabam, mais cedo ou mais tarde, perdendo aquilo que nenhuma reestruturação organizacional pode fornecer: a credibilidade.
A história desse "case” mostra que "valores” não são cláusulas contratuais, são alicerces de uma cultura organizacional. Quando a ética é colocada à frente do oportunismo, mesmo nos momentos de impasse, uma cultura de confiança floresce para gerar parcerias duradouras e resultados sustentáveis.
Negociações são o reflexo das escolhas do líder: o oportunismo gera ganhos momentâneos, mas destrói relações. A ética constrói credibilidade e parcerias duradouras. Quando líderes são guiados por princípios, entendem que confiança não se compra, conquista-se.
"Perder com dignidade é melhor do que vencer com desonra. O tempo sempre revela quem realmente venceu."
— Sun Tzu
querido Helio, senti falta de ver a forma como aquilo foi aproveitado para não deixar despercebido o erro da Cristiane. errou, e feio, numa operação com um cliente importante para a empresa dela. "desperceber" um dígito numa proposta dessa importância não é concebível numa situação dessa sem ter deixado algum tipo de legado. a decisão de não fechar o contrato foi corretíssima, pois amparada em princípios e valores, que são inarredáveis. mas isso, no mínimo, deveria entrar na conta de desenvolvimento da Cristiane, que, por exemplo, poderia ter as suas metas revistas para recompor, em um prazo negociável, a perda da receita pelo imbroglio do contrato mal redigido e mal revisado.